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Cólera: Avaliação Clínica e Tratamento

Março 26, 2019

A cólera é uma doença diarreica aguda causada pela enterotoxina do Vibrio cholerae, através da ingestão de alimentos ou água contaminados pela bactéria Vibrio cholerae. Tem um período de incubação curto, que varia de duas horas a cinco dias, e manifesta-se com diarreia aquosa e profusa, com ou sem vômitos, dor abdominal e cãibras, que quando não tratada prontamente, pode evoluir para a desidratação grave, acidose e colapso circulatório, com choque hipovolêmico e insuficiência renal e, consequentemente a morte em poucas horas.

Factos importantes:

  • A cólera é uma doença diarreica aguda que pode matar em poucas horas se não for tratada.
  • Até 80% dos casos podem ser tratados com sucesso com sais de re-hidratação oral.
  • Medidas de controlo eficazes dependem da prevenção, preparação e resposta.
  • Fornecimento de água potável, alimentos seguros e o saneamento básico são fundamentais para reduzir o impacto da cólera e outras doenças de transmissão oro-fecal e hídrica.
  • Educação em saúde para a comunidade é importante para a adopção de comportamentos preventivos para evitar a contaminação.
  • Fornecimento de água potável, saneamento básico e segurança alimentar são fundamentais para a prevenção da ocorrência de cólera.
  • Existem vacinas orais, consideradas um meio adicional para controlar a cólera, mas que não substituem as medidas de prevenção e controlo convencionais.

Modo de transmissão

Uma vez que a transmissão da cólera está associada à gestão inadequada do meio ambiente, a falta de água potável, higiene individual e colectiva deficiente, a transmissão ocorre, principalmente, pela ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes ou vómitos de um doente ou portador. A contaminação pessoa a pessoa é também importante na cadeia epidemiológica.

Manifestações clínicas:

A cólera manifesta-se de forma variada, desde infecções inaparentes até diarreia profusa e grave. Além da diarreia, podem surgir vômitos, dor abdominal e, nas formas severas, cãibras, desidratação e choque. A febre não é uma manifestação comum. Portanto, a doença pode manifestar-se de 2 formas:

  • Na forma grave, os casos graves mais típicos (menos de 10% do total), o início é súbito, com diarreia aquosa, profusa, com inúmeras dejeções diárias, por vezes do tipo “água de arroz” e cheiro a peixe, com ou sem vómitos, dor abdominal e cãibra. A diarreia e os vômitos, nesses casos, determinam uma extraordinária perda de líquidos, que pode ser da ordem de 1 a 2 litros por hora. Este quadro, quando não tratado de imediato, pode evoluir para desidratação rápida, acidose, colapso circulatório, com choque hipovolémico, insuficiência renal e morte, em 6 horas.
  • A forma leve ou oligossintomática, apresenta-se com diarreia leve, como acontece na maioria dos casos.

Cerca de 80% das pessoas infectadas com o vibrião colérico são assintomáticas, embora a bactéria esteja presente nas suas fezes e sejam eliminadas de volta para o meio ambiente, podendo potencialmente infectar outras pessoas, ou a água e os alimentos.

Complicações:

As complicações na cólera decorrem, fundamentalmente, da depleção hidro-salina causada pela diarreia e pelos vômitos. Ocorrem mais frequentemente nos indivíduos idosos, diabéticos ou com patologia cardíaca prévia. A desidratação não corrigida levará a uma deterioração progressiva da circulação, da função renal e do balanço hidroeletrolítico, produzindo dano a todos os sistemas do organismo. Em consequência, sobrevém choque hipovolêmico, necrose tubular renal, íleo paralítico, hipocalemia (levando a arritmias), hipoglicemia (com convulsão e coma em crianças).

O aborto é comum no 3º trimestre de gestação, em casos de choque hipovolêmico. As complicações podem ser evitadas, com hidratação adequada.

Avaliação clínica do paciente

A observação dos sinais e dos sintomas é fundamental para que se possa classificar o paciente quanto ao seu estado de hidratação no decorrer da diarréia de qualquer etiologia, inclusive a causada pela cólera, com a finalidade de identificar o grau de desidratação e decidir sobre o plano de reposição.

Quadro 2: Avaliação do grau de desidratação do doente

A avaliação do estado de hidratação do paciente é baseada na presença dos sintomas e sinais apresentado no Quadro 3.

Quadro 3: Classificação do estado de hidratação

Tratamento

O tratamento dos casos de cólera e de outras diarreias agudas de acordo com as normas em vigor no País, implica:

  1. Determinar o grau de desidratação do doente (Quadro 2).
  2. Administrar líquidos, de acordo com o plano de tratamento.
  3. Recolher uma amostra de fezes dos 5 primeiros doentes com suspeita de cólera e de outras Diarreias Agudas que forem observados na unidade sanitária.

A rehidratação rápida e adequada é a principal intervenção para o tratamento de casos de cólera, quer por via oral para os casos moderados, ou por via intravenosa para casos graves. Até 80% dos pacientes podem ser tratados adequadamente por meio da administração de SRO. Os doentes graves e desidratados são tratados através da administração de fluidos intravenosos, de preferência Lactato de Ringer.

A administração de antibióticos adequados está indicada apenas para os casos graves para diminuir a duração da diarreia, reduzir o volume de fluidos para hidratação necessários e encurtar a duração da doença.

Para as crianças de 0 a 5 anos, a administração suplementar de zinco tem-se mostrado eficáz na redução da duração da diarreia, bem como redução de sucessivos episódios de diarreia. O suplemento deve ser iniciado no início dos sintomas. A Tabela 3 apresenta a dose de zinco a administrar às crianças com cólera.

Tabela 3: Dose de zinco a administrar durante o tratamento de crianças com cólera.

Rehidratação

Este é o componente essencial do tratamento, cujo objectivo é o de repor a água e electrólitos perdidos através da diarreia e vómitos. Nas Tabelas 5, 6 e 7 é apresentada a rehidratação segundo os planos de tratamento A, B, C.

Note que, a reposição de líquidos por via oral é a preferida, enquanto a reposição intravenosa é reservada para a rehidratação de pacientes com desidratação grave ou que eliminam mais de 10-20 ml/kg/h. Administra-se por sonda nasogástrica.

Tabela 5: Rehidratação segundo o plano de tratamento A

Tabela 6: Rehidratação segundo o plano de tratamento B

Tabela 7: Rehidratação segundo o plano de tratamento C

Em relação ao Plano C:

  • É extremamente importante manter um registo escrito de perda de fluido e consumo, a fim de ajustar a administração de fluidos para os pacientes.
  • Se o doente vomitar enquanto toma SRO, esperar 10 minutos e depois continuar a darlhe líquidos mais lentamente.
  • Continuar a amamentação dos bebés e crianças pequenas.

Tratamento com antibiótico

Além de rehidratação, é recomendado o tratamento antibiótico apenas nos casos com desidratação grave. A terapia antimicrobiana é útil para (a) rápida eliminação do vibrião, (b) diminuir a duração da diarreia, e (c) diminuir a perda de líquidos.

Tabela 9: Dosagem de antibióticos no tratamento de doentes gravemente desidratados com cólera

Referência:

MISAU/Direcção Nacional de Saúde Pública/Departamento de Epidemiologia; Manual de Prevenção e Controlo da Cólera e de Outras Diarreias Agudas – 4ª. Edição. Maputo, Moçambique. 2016.

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